Sobre o Amor
O amor é uma dor até não conseguir desaguar-se. Enquanto
está retido, aprisionado nas palavras não ditas, recluso na sofreguidão dos
gestos só ensaiados, é uma sangria. O amor pede exclamação, a liberdade de se
revelar. Mas, eis que um dia ele chega à sua foz e, daí, sabem os que amam, é
um prazer inigualável, uma leveza que explica o motivo de toda a tragédia
humana derivar da infindável busca por amar e ser amado, mesmo em seus tortos
caminhos.
Muitos dizem amar. E como poderei negar-lhes o sentimento,
se é assim como o definem. O que posso dizer é que a relatividade de Einstein
também passeia pelas verdades do coração. O amar de alguém pode ser apenas a
mais rudimentar das sensações emocionais, onde coabitam, estranhamente, os
sintomas mais adversos ao amor, do ciúme à possessão. Seus indicativos, porém,
são insofismáveis. E os que sabem do que falo entenderão que as pessoas que já
se deixaram guiar por sua poderosa força são capazes das ações mais notáveis,
dos gestos mais extraordinários.
Há muitos que professam a ideia de que o amor só é eterno
enquanto dura. Um dia a chama se exaure, o ímpeto recolhe-se, os egos inflamam,
o conflito se instala e a doce nota daquela melodia de amor é abafada pelo
grave silêncio que ergue um muro invisível e intransponível entre duas almas
outrora amantes.
Mas será que é da natureza do amor perecer? Estará ele
sujeito às leis que a vida impõe à carne, que cede um dia à morte inexorável?
Quem ousa chamar de amor qualquer fremir de emoções e cochas dirá que sim: o
amor pode dissipar-se no tempo, incinerado pelas decepções e dispersado pelo
orgulho ultrajado.
Por que há então amores que cruzam os anos numa saga silenciosa,
resistentes ao pó do tempo e à distância? O que há nesse amor que lhe confere
tal imortalidade, uma capacidade de persistir sem razão para persistir? Que
impulso é esse que contradiz a lógica dos céticos, para quem o amor só existe
no seio de dois corações, e apenas enquanto ambos sabem brincar de felicidade?
A verdade, a minha verdade, que obviamente só ecoará em
almas afins, é simples como toda ela deve ser: nem todos têm experiência de
amar com essa potência; nem todos sabem que amor é mais do que gozo, mais do
que flor em desabrochar permanente. Para esses, o amor morre quando o sexo
afrouxa, como se da fricção de corpos pudesse o amor preservar sua fogosa
chama. Num mundo tão hedonista, não é de surpreender por que o amor deve estar na
esfera do prazer. Fora dele, o amor se esvaece, qual miragem que, em verdade,
sempre foi.
A finalidade do corpo é preencher-se de sensações. Foi para
isso que Deus o concebeu, com toda sua infinidade de recursos lúdicos, seus
brinquedos. Quem chama de amor essa fruição das delícias do sexo há de ver esgotar-se
o que supõe ser sentimento. Esse suposto amor fatalmente se diluirá na mornidão
dos dias, porque depois do sexo precisa haver ternura, espera, suavidade. Essa é a dimensão
do amor, renegada pelos ansiosos, que necessitam dos brinquedos do corpo para encher
os dias e dar sentido à vida. E os brinquedos se gastam, ficam velhos ou
simplesmente desinteressantes com o passar do tempo, porque aparecem novos
brinquedos a alimentar a ansiedade de perseguir o gozo.
O amor é eterno para os que amam, e não necessariamente para os que dizem
amar. Porque, para amar, é preciso dominar a arte da entrega, a capacidade de
abdicar do controle do incontrolável. Khalil Gibran escreveu em seu admirável O
Profeta: “E não penseis que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher, marcará ele o vosso curso”. O homem, por poder
escolher seus brinquedos, crê também poder eleger quem amará. Mas o amor não
pactua com os impulsos do corpo. E o corpo está sempre prenhe de necessidades e
ansiedades, tantas frívolas e supérfluas, germinadas por uma visão míope da
vida. E quem vive a saciar essas palpitações obstrui o caminho do amor. Porque o
corpo ocupa a alma com as distrações dos sentidos, o que acaba por confundi-la,
pois se acostuma a imaginar que a felicidade depende da possibilidade de fruir dos
prazeres da carne.
Só na verdade pode o amor prosperar. Em seu mistério transcendente,
ele pode eclodir a qualquer momento, mas apenas na nudez há chance de o amor chegar
à plenitude. Enquanto houver disfarces e a alma permitir que o corpo dirija as
escolhas, entretido nas sensações, que futuro haverá para o amor? Para homens e
mulheres que obsessivamente perseguem o prazer, como abraçar a verdade do amor,
que se nutre não só da beleza mágica do encontro? É também das lágrimas destiladas
pela espera, pela ausência e pela impossibilidade que um amor se faz grande e intenso.
Quem renuncia o amor é porque jamais lhe deu abrigo. Quem um dia amou
verdadeiramente jamais se contentará com menos. Não mais conseguirá preferir as
relações rasas e descartáveis, pois a alma descobriu, no gozo e na dor do amor,
as faces de uma verdade que o põe no caminho de uma felicidade que não se
dissipa pelo agito das emoções. Ao inventar o amor, Deus criou o maior problema
da humanidade.
Comentários
Quem um dia amou verdadeiramente jamais se contentará com menos".
Sem mais...
Saudades de ti amigo
Beijos =)