O ovo da concórdia

A crônica abaixo brinca com o senso comum sobre as sogras. Longe de mim nutrir opinião semelhante sobre elas. Só usei sua má fama como argumento para evidenciar coisa mais verdadeira: como preferimos a hipocrisia de uma relação à reconciliação com o semelhante.

Grande, médio ou pequeno. Era esse trilema que detinha Osvaldo naquela seção de ovos de chocolate. No imenso supermercado, lá estava ele sob um céu de ovos. Já comprara o da Lídia, o do Juninho e o da Samanta. Faltava o da sogra, viúva. E era essa a dúvida que se demorava na sua mente: que tamanho? Dona Gertrudes era a personificação da sogra detestável, daquela que merece um saco de piadas de mau gosto, da mais imperdoável ironia. Osvaldo não a tragava porque, desde o dia que Lídia gritou “sim” ao pedido de casamento, a megera fechou-lhe a cara e o bolso.
A velha não dissimulou o desagrado com a escolha da filha única. Osvaldo era mais pobre, mais feio e menos ambicioso que o esposo idealizado pela mãe. Dispensável descrever o inferno que se materializava ao seu redor quando a sogra visitava Lídia e os filhos. Desnecessário também detalhar o caso – as crônicas familiares são abundantes nos relatos de bruxas que se travestem de sogras.
Conhecedor desse histórico, o leitor talvez não vacilasse em escolher o menor ovo. Mas as implicações da escolha eram mais complexas. Se optasse pelo menor, a esposa sondaria má vontade e avareza na atitude do marido para com a sua mãe. Esquece. Será que um ovo grande resolveria o problema? E se a sogra, que tinha um infernal talento de perverter a boa vontade de Osvaldo, interpretasse o presente mais caro como uma falsa estratégia de ganhar a simpatia da velha?
Acabou comprando o ovo médio. E saiu do supermercado ainda afundado em divagações. É bom alertar o leitor nesta altura que Osvaldo era professor de filosofia, logo, fazer reflexões sobre as miudezas da vida fazia parte de seu aproveitamento do tempo. Dirigindo pra casa, pôs-se a pensar em como sua felicidade alcançara tamanha dependência de um ovo de chocolate. Escolhesse o tamanho errado e pronto, a megera não pouparia língua, e a esposa condoída, para quem a mãe era a melhor do mundo, decretaria cara feia e greve de sexo enquanto durasse o estoque de ressentimento.
Estava satisfeito. Ainda bem que ponderara sobre as graves conseqüências de uma compra impensada. E desatou a rir de si mesmo, da fragilidade das relações, sustentadas pelo tamanho de um ovo de chocolate. Evitaria o azedume da sogra, o aborrecimento da mulher e garantiria uma páscoa em clima quase cristão. Quase, porque sabia não haver - na relação entre ele e a sogra - o menor vestígio de afetividade. Mas talvez houvesse armistício no almoço de páscoa, e isso já seria uma benção milagrosa.
No domingo, antes do almoço em família, troca de presentes. Ao entregar seu ovo, Osvaldo ficou reparando na reação da sogra, que deixou escapar ligeira satisfação no olhar. Era um milagre, pensava Osvaldo. Ateu, o comentário mental, porém, era mera força de expressão. O fato é que fizera a megera esboçar um sorriso. E por isso aquele foi o melhor domingo de páscoa que já tiveram. À noite, não resistiu e perguntou a Lídia se a sogra havia realmente gostado do ovo.
- Querido, pra ser sincera... ela achou o ovo pequeno - relatou. - Mas depois viu melhor e adorou. Viu que tu te deste o trabalho de procurar. Mas me diz uma coisa, amor. Como sabias que ela gostava de chocolate amargo?

Comentários

Postagens mais visitadas