Um minuto (reloaded)

Quanto tempo dura um minuto? Para esta pergunta, a relatividade da existência. Porque um minuto para o ocioso é só mais um tempo dissipado no esquecimento. Para quem padece de aguda dor, é uma eternidade que sufoca, ainda que, fatalmente, cesse e pereça. Quem está no gozo do prazer, é um instante que logo se desvanece no torpor dos sentidos. Há um minuto, porém, sobrevivente ao inferno em sua versão mais causticante e prolongada - um minuto entre dois corações que se percebem enleados por laços incorruptíveis de amor; eterno também, mas não como um minuto de dor. Diferentemente, é um instante que perdura porque a alma assim o quer e precisa.
A divagação não é fortuita. Sobreveio-me após assistir a "Cold Mountain": a biografia de alguns minutos de amor que alteraram dramaticamente a vida de um homem que decide desertar do exército sulista na Guerra Civil norte-americana, para voltar a uma relação que era pouco mais do que uma promessa. Nenhuma novidade nisso tudo: o filme só me fez lembrar que até hoje alguns minutos de minha vida se refazem repetidamente, instantes que transcendem à lei do relógio e se fixam nas paredes de minha consciência. É essa distensão do tempo que dá mais sentido à existência. Minutos cheios de vida, que compensam o vazio de muitos outros.
Do filme, uma lição. O que vale todo um calvário de sacrifícios em nome de um sonho que dura apenas um minuto? A resposta simples: um minuto de sonho feito real pode perdurar indefinidamente na memória; uma vida insípida, vazia de amor, pobre de desejo, esfumaça-se na morte, fim natural de tudo, afinal, que esteriliza o sonho.
Por isso, guardo minutos cheios dessa carga vital. É natural, portanto, concordar com Pablo Neruda, para quem a falência da memória decretava o ocaso da existência. Envelhecer, escreveu o poeta chileno, não era ver a idade avançar e a face sulcar, mas esquecer, ceder à erosão das memórias que nos fazem o que somos.
Quem assiste a “O Carteiro e o Poeta”, que revive no cinema a relação de Neruda com o carteiro Mario Ruoppolo, acompanha como um homem cansado e desolado reencontra alegria em seus minutos e inspiração amorosa na poesia de um Neruda exilado. Mario rejuvenesce quando os minutos passam a lhe dar motivo para lembrar. É contaminado pela beleza poética, que lhe preenche a vida de um significado até então inexistente.
Há, por fim, que falar sobre uma categoria de tristes, aqueles que deixam de colecionar novos minutos; que não reeditam a vida; que, no entardecer de seus anos, se desmancham com o tempo e se submetem a uma lei que deveria apenas corromper a carne, não o espírito. Certo estava Victor Hugo, que recomendava aos velhos não se dedicarem ao desespero, na agonia de resgatar a juventude dourada. “É preciso deixar que eles – os anos – escorram por entre nós”, escreveu o autor de Les Misérables. Até porque, lembremos, quem tenta prender o tempo inventa uma prisão para si mesmo.

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