A minha seleção

Acreditem: ainda estou quase incólume ao surto de nacionalismo oportunista desencadeado pela participação brasileira no maior evento esportivo do planeta. Talvez porque pouco assista à tv, na qual sei que o apelo midiático é mais poderosamente sedutor. Nos jornais e nos websites de informação, meu olhar foge da cobertura da Copa do Mundo, como se me prevenisse contra essa injeção diária de ufanismo patriótico. Confesso que é difícil ignorar, com tanta badalação da mídia e bandeirinhas que decoram carros, casas e prédios, que, do outro lado do Atlântico, 46 pernas – umas mais desejadas do que outras pelo público feminino e gay - correrão atrás de uma bola para trazer consigo um troféu com 36,8 centímetros de altura e 6 quilos de ouro de 18 quilates.
Até meu filho de quatro anos, que pouco entende de futebol além do elementar e apoteótico momento do gol, já incorporou a ansiedade que contagia a nação à véspera da estréia brasileira; veste a camisa amarela, agarra a bola, grita “pedala Robinho” e me escala para uma partida no jardim de casa. Afundado em trabalho, recuso a convocação, alegando estar contundido. O cerco familiar se fecha com a esposa, que já municiou os filhos com bandeirinhas, álbum da copa e chapéu em formato de bola. Em casa, tudo pronto para o dia 13.
Não exagero em dizer que a seleção brasileira já transcendeu à categoria de credo, e que seus 11 jogadores em campo são ungidos apóstolos de uma missão salvadora. Em território “gentio”, lá irão nossos destemidos pregadores do futebol arte. A exemplo das religiões tradicionais, sustentam seus fiéis um dogma incontestável: o de que a seleção ou seus jogadores são os melhores do mundo. O problema é que o tempo costuma fazer as religiões se tornarem ortodoxas, xiitas. Do dogma inquestionável de superioridade da seleção, segue a premissa de que todos obrigatoriamente devem devotar fé ao esquete canarinho.
Ai daquele que detesta ou simplesmente ignora a via crucis de nossos jogadores rumo à redenção do título. Ganha facilmente a pecha de esquisito, chato, esdrúxulo. Viram leprosos – se me permitem exagerar na figura - num país onde está consagrado no senso comum que torcer pela seleção é quesito de nacionalidade.
É natural que uma nação, envergonhada por suas misérias crônicas, identifique na excelência de seu futebol e na fama de seus jogadores uma fonte de auto-estima e de reconhecimento internacional. Essa euforia nacional não é exclusividade brasileira, mas a devoção quase religiosa à sua seleção tem características únicas e reflete a expectativa salvacionista que atribuem à equipe hoje dirigida por Parreira.
Por algumas semanas, o País esquecerá suas mazelas e suas crises, entorpecida pela vitória nos campos alemães. O bombardeio da mídia fará parecer que aqueles onze homens atrás de uma bola lutam na arena verde pela alegria e dignidade de uma nação. Preferiria que essa tarefa dependesse de outros. Não porque duvide que a seleção fature o hexa, mas porque, se for pra ser salvo, que seja pela genialidade de Machados, pela humanidade de Irmãs Dulces, pelo idealismo de Betinhos, pela irreverência de Glaubers e pela humildade de Chicos. Enfim, por brasileiros que um dia espero sejam escalados para um time dos sonhos que valha a pena torcer com todo esse fervor patriótico.

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