O Natal de Maria

bambino jesusSeu nome era Maria e, como toda portuguesinha de 9 anos, acreditava no Menino Jesus. À época de Natal, crescia-lhe a ansiedade. Chegava o dia em que as famílias se permitiam pequenos luxos à mesa, e as crianças, como Maria, amanheciam no dia 25 com uma alegria talvez desconhecida pelas crianças de hoje. Na consoada, depois do jantar com batatas, polvo e bacalhau, o sono custava-lhe a vir. O lume tinha se apagado. Era hora de dormir e esperar que se fizesse, uma vez mais, a mágica aparição do Menino Jesus na casa de Maria, deixando presentes, paz e boa vontade. 

Mal se abriam os olhos, Maria corria até a lareira e ali, no seu pequenino sapato, estavam as prendas tão aguardadas. Não eram bonecas da última moda nem roupas de boutique; não era um MP4 nem um netbook; não eram sequer brinquedos. Eram bolachas, balas e figos. Isso, porém, não diminuía a felicidade de Maria, que os recebia com uma satisfação e um entusiasmo impensáveis para crianças que, hoje, crescem num mundo regido por um consumismo voraz.

Aqui em Portugal, por ter sido um país que se desenvolveu vigorosamente nas últimas duas décadas, depois de um enorme atraso por conta de um regime fascista de quase meio século, é possível perceber mais facilmente como tradições seculares se renderam às poderosas forças de mercado e como novos hábitos foram introduzidos no cotidiano das famílias portuguesas. O Menino Jesus da pequena Maria, ainda absoluto nos anos 70, saiu rapidamente de cena para a chegada de um velho barbudo, trajado de roupas vermelhas e dono de um enorme saco de presentes, mais afeito aos interesses de uma economia de mercado. Definitivamente, como já se percebera em outros países, o Natal num mundo capitalista precisava de melhor garoto-propaganda do que um menino santo, incapaz de evocar o consumismo em que se desejava converter o Natal.

A economia naturalmente festeja a introdução já consolidada de Papai Noel (ou Pai Natal como é chamado por aqui) na cultura dos portugueses. Mas, como em todo o canto onde o Bom Velhinho se tornou figura central de Natal, não foi uma mudança gratuita. Os festejos de Natal perderam sua simplicidade e sua evocação espiritual. Permanece ainda como uma importante e desejável oportunidade de confraternização familiar, mas o sentimento original e sua identificação com a figura de Jesus vêm se diluindo no caldo cultural de uma sociedade de mercado.

Se Maria, agora adulta, sente saudades de suas bolachas, balas e figos é porque algo efetivamente se perdeu ao destronarem o Menino Jesus das celebrações de Natal. Talvez porque o que Maria hoje sabe é uma certeza da qual a humanidade só num futuro ainda inavistável também se convencerá – que a verdadeira felicidade de uma alma está em presentes que não se podem comprar nem vender, em prendas que só o amor é capaz de distribuir aos corações de quem se ama.

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