Segredos

Quantos segredos cabem numa alma? Sim, segredos ocupam espaço, têm peso e massa. E de tal modo que, se grandes e pesados, extravasam da alma de qualquer maneira; ora vertem pelo olhar, ora escorrem pelos lábios ou transpiram pelos poros. Estão sempre ali, sob uma cortina de aparência, de negação, de subterfúgios. O corpo se entesa, a boca se enrija, na vã tentativa de manter a verdade silenciada. E eis o que é um segredo: uma verdade amordaçada, uma proscrita das convenções humanas. Ao ver que a condenação alheia é iminente, ela se submete à masmorra. Aceita uma obscura existência nos calabouços da alma, pois, exposta à luz, teria de exibir sua nudez e suas vergonhas.

O consolo – e talvez mais do que isso, uma necessidade – é o confidente providencial. Ouvidos que visitam esse cárcere solitário onde os segredos sobrevivem aos anos. Podem ser os de um amigo incondicional, de um canino amoroso, ou então os ouvidos alvos de uma folha de papel, silente ouvidor de verdades que precisam de alguma maneira compartilhar sua existência. Porque segredos podem até se resignar com sua proscrição, mas precisam visceralmente de um reflexo de si mesmos. Precisam-se ver espelhados no olhar do confidente, seja ele qual for, pois é isso que lhes dá a noção de que são reais.

Escritores costumam ser habitados por muitos segredos. E o papel – ou o bit nos dias de hoje – evidencia vestígios fulgentes desses segredos, traduzem as provas de sua realidade inconfessa. Por isso, um escritor é um mentiroso, porque vende como ficção as verdades que lhe agitam o espírito. Dá-lhes roupa nova e as maquila para disfarçar a origem íntima, mas lá está a verdade essencial a esgueirar-se, tentando pôr-se ao sol veladamente.

Mas quem não tem seus segredos cuidadosamente trancafiados? Qualquer verdade interior que sabemos ou julgamos censurável é sumariamente sentenciada ao calabouço. Um amor impronunciável, um gesto ultrajante, um passado incômodo, um presente reprochável – tudo isso produz verdades que preferem a obscuridade do cárcere. Ali, estão pelo menos protegidas da humilhação, da contrariedade e da exposição de suas fraquezas. Ali, na solidão da jaula, há o conforto de uma dor evitada, o refúgio para verdades que só nos domínios do sonho têm a coragem de caminhar na planície contra o vento.

Comentários

Marga Engels disse…
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