O amor das Marias
Não sei se foi em Belém. Nem se foi numa estalagem que o
espírito de Deus inflou vida ao corpo do infante. Não tenho certeza se a mãe
chegara virgem ao parto, e tampouco estou convencido de que anjos excelsos
sussurraram ao ouvido materno que a criança seria a encarnação do sol. Resisto
a verdades escritas. Pois verdades, para que assim o sejam, precisam se revelar
aos olhos nus. Os que creem apenas pela leitura não são indivíduos de fé. São
cultos, lustrados pela erudição. Mas é um saber que não lhes acrescenta nenhum
fervor à vida, porque lhes falta o deslumbramento da revelação íntima.
A história de que tanto falam nesses dias, tal como a
contam, poderá nunca ter acontecido. Ou ter acontecido diversas vezes, com
diversas Marias, em diversos lugares, numa justaposição de histórias. Mas o
vulgar, o evento banal, nunca serviu de força inspiradora para a humanidade. É
o fato extraordinário, a vida singular, a tragédia épica que irriga os corações
de vontade, bravura e determinação. É o herói que sobrevive, que subjuga o
inimigo; o messias que arrebanha seguidores e lhes aponta o cume da montanha; o
super-homem, virtuoso e desprovido de vício, que lhes inspira o gesto antes
impossível.
Para o mundo, o filho de Maria tornou-se Deus-homem. Mas
teimo em acreditar que, para a mãe, o filho, que nascera do seu ventre, vestido
da carne de sua própria carne, nutrido do seu próprio leite e longamente
afagado com seus carinhos zelosos, era, antes de qualquer profecia, o vaso do
seu amor. A sua maior ternura. Aos homens, o filho precisaria vencer a morte
para ganhar-lhes a devoção. Para a mãe, bastar-lhe-ia sentir o suave sopro de
vida em seu peito. Aos homens, o filho teria de provar-se divino. Para a mãe,
já era divino o milagre que lhe punha nas mãos a fragilidade de outra vida. Ao
mundo, o filho haveria de se tornar rei, rabi e profeta. Para a mãe, nada cabia
ao filho fazer ou ser.
Mas as Escrituras nada dizem desse amor trivial, sem ápices
de espetaculosidade. Um amor que melhor se ensina, embora não a todos. Porque
para a maioria, é o grito, a dor e a morte que sacodem e despertam a alma para
a vida. Para os despertos, é o silencioso amor das Marias por seus filhos que
mais se aproxima da verdade suprema.
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