A cerejeira e o míope

Esse homem é o prefeito em exercício, Ivo Álvaro Fleith, que deu execução a uma idéia infeliz e egoísta. Não ouviu as vozes de quem cresceu acostumado à sombra e ao símbolo. O grandioso vegetal batizara a via com seu próprio nome: era a “rua da Árvore”. Sua existência ensinara assim que a vida sobrepuja os cadáveres que dão nome aos espaços públicos. Quem não conhecia a rua pela sua curiosa e famosa moradora? Tenho certeza de que por muito tempo os piçarrenses hão de referir-se à rua do mesmo jeito. “Pega aquela rua que tinha uma árvore e vira à esquerda...”
A cerejeira, agora reduzida à lenha, era o que de mais original a cidade tinha. É menos um símbolo do passado, um ícone da vida e da história destruído arbitrariamente. Causa tristeza assistir a esse desprezo das instituições locais pelos elementos que justamente poderiam valorizar a história da cidade. Assim também foi a destruição do Hotel Candeias, submetido ao raciocínio pragmático e imediatista de um governo insensível aos valores da cultura.
Lamento exaltar a singularidade e importância daquela cerejeira apenas hoje, quando só restam o tronco central e as raízes profundas agarradas àquele chão há mais de um século. Mas quem adivinharia que a miopia engendraria tal besteira? Que sobraria insensibilidade na mente de um mandatário? Que não haveria o mínimo de inteligência para conceber alternativas que conciliassem a segurança de motoristas e a vida de uma centenária piçarrense?
Depois da consternação, percebo como a destruição da cerejeira deve nos encher de preocupação. O corte sumário, sem consulta popular, é sintoma de uma prática política vigente que despreza vontades coletivas. Em seu último dia, a velha cerejeira desnudou a face egocêntrica de um governo para quem a opinião de bobões sentimentais como eu não tem valor nenhum. Um governo que não precisa ouvir. Uma auto-suficiência que me dá medo. O que mais vão cortar?
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