Ilustre Anônimo

Ao estacionar o carro, distingui do outro lado da avenida a figura ilustre. Na verdade, uma pálida expressão do que fora, ou do que as circunstâncias lhe fizeram ser. Sem a pompa nem os títulos de outrora. Tampouco a vestimenta que pudesse preservar algo da imagem insigne de outros tempos.
Saindo de um carro popular, acompanhado por seu motorista, aventurou-se a cruzar a avenida. Isso porque os passos, curtíssimos, tornavam a tarefa desafiadora. A fisionomia manifestava um árduo esforço e alguma aflição. Um motorista que vinha pareceu ter se condoído da dificuldade do pedestre, provavelmente um anônimo para ele. Parou o carro e esperou até que terminasse o trajeto. Depois, com um ligeiro aceno, Antônio Carlos Konder Reis, ex-governador de Santa Catarina (1975-79) e um dos maiores nomes da política barriga-verde, agradeceu a paciência do motorista e entrou na farmácia no centro de Piçarras.
Observador da cena, não pude evitar a reflexão sobre a transitoriedade do mundo. Ali, quem fora a pessoa mais importante do Estado e que detinha o poder de interferir no destino de milhares de catarinenses estava reduzido à condição de anômino, pacato e senil cidadão. Pode parecer um retrato inglório de uma figura pública tão proeminente. Minha leitura, no entanto, é de que ali, no curto calvário de 12 metros, Konder Reis expôs a verdadeira condição humana: limitada, aflitiva e carente da generosidade alheia. E mais: vivenciou a fatalidade universal da existência - a de que tudo passa, menos o saldo da vida que passou.

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