Os pés de Francesco

Talvez um dos maiores paradoxos do mundo tenham sido os pés de Francesco. Encardidos pela lama e enferidados pelas lascas de pedra no chão de Assis, havia neles uma pureza transcendente. Embora nem todos vissem assim, seus pés exaltavam uma verdade que ainda arrebata até hoje porque a sujeira que seus pés ganhavam no caminho do trabalho era marca da alvura de seu espírito. Eram sujos porque os pés gozavam de uma liberdade que poucos ousaram desfrutar. Descalços, podiam sentir a umidade da vida e reencontrar Deus na simplicidade de seus passos nus.

Num mundo asséptico em que vivemos, causam saudade os pés imundos de Francesco. Porque eles não eram a expressão do desprezo pelo corpo, mas sim a exaltação de uma vida saturada de espírito, embevecida pela graça de quem aceita perder tudo para ganhar tudo. Hoje, a sociedade de comodidades tende a nos enfraquecer a alma para as rudezas da existência. Somos criaturas frágeis porque condicionamos a vida a muitas necessidades artificiais. Sem saciá-las, quedamo-nos tristes e desgraçados, presos à insatisfação.

Francesco não era modelo de vida para o homem. Era sim a vivificação de uma verdade, a comprovação de que a felicidade, embora não sendo deste mundo, não resulta que não possa ser vivenciada neste mundo. O esmoleiro de Assis não quis ensinar que só na pobreza material se alcança Deus. Antes, desejou provar, com a própria existência, que a vida, tão somente a dádiva da vida, sem nenhuma outra concessão divina ou material, é suficiente para nos deixar plenos do divino. Ele se esvaziou de si, para preencher-se de Deus. E foi o mais feliz dos homens.

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